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O tema "gestão de igreja" é polêmico e
controverso, principalmente quando tratado no clima dos
interesses pessoais que permeiam as organizações
sujeitas às disputas pelo poder. Aceitando-se a premissa de que o Espírito do Senhor
continue a nortear as decisões da Igreja nesse novo século,
nada mais natural que buscar nas Escrituras o modelo de
gestão eclesiástica extraído do legado apostólico e
da prática observada na Igreja Primitiva.
O texto acima foi citado no livro "Conhecendo as Doutrinas da Bíblia", de autoria do emérito professor e consagrado escritor judeu-cristão Myer Pearlman, cujo pensamento está sintetizado em suas próprias palavras: Ø
"As primeiras igrejas eram democráticas em seu
governo..." E comenta, com uma dose de
saudável ironia: "uma circunstância natural em
uma comunidade onde o dom do Espírito Santo estava
disponível a todos, e onde qualquer e toda pessoa podia
ser dotada de dons para um ministério especial." Ø
"Nos dias primitivos não havia nenhum governo
centralizado... Cada igreja local era autônoma e
administrava seus próprios negócios com liberdade"; Ø
"Ao mesmo tempo que cada igreja era independente
da outra, quanto à jurisdição, as igrejas do Novo
Testamento mantinham relações cooperativas uma com as
outras." (Cita, como referências: Rm 15.1; 26-27;
2Co 8.19; Gl 2.10; 3Jo 8. É extraordinário observar que,
apesar desse livro ser o texto básico do ensino de
teologia sistemática na quase totalidade dos seminários
e escolas teológicas do País, a prática corrente
contraria as lições extraídas do mesmo. É inadmissível
que seja por falta de clareza de pensamento do autor. Não bastasse a argumentação já
exposta, Pearlman enfatiza:
Mesmo assim, admite-se o
questionamento em torno da consistência desse modelo à
luz da sociologia da religião. Afinal, a busca pelo
saber - desde que isento de sentimentos menores - não
pode ser qualificado como pecado! A proliferação de igrejas -
notadamente na última metade do Séc. XX - é um fenômeno
latente. À margem desse processo, as grandes corporações
eclesiásticas têm encetado uma luta tenaz para manter a
unidade de governo sobre as centenas de igrejas e
congregações geradas ao longo dos anos. Paralelamente, coexistem dois
modelos, sem que haja uma manifestação clara da ciência
da religião sobre qual deles é preferível; mesmo que,
à luz da Bíblia, esteja evidente o modelo de gestão
adotado com pleno sucesso pela igreja dos apóstolos. No livro "Su iglesia puede
crecer", Peter Wagner (WAGNER, p. 128) cita uma
pesquisa desenvolvida pelo sociólogo da religião
Richards Meyers, em Indiana/EUA. Nesse experimento, o
pesquisador dividiu um determinado número de pastores em
dois grupo: o primeiro, comprometeu-se a reunir duas
classes similares da Escola Dominical, sempre que
houvesse perda de um professor; o segundo, que admitiria
novos professores, de modo a criar uma nova classe para
cada departamento da ED. Dessa forma, dois modelos opostos
seriam observados: no primeiro, haveria diminuição do número
de classes, já que duas delas ficariam reunidas sob a
regência de um mesmo mestre (ou seja, centralização);
no segundo, aumento do número de classes, mediante a
subdivisão das anteriormente existentes (ou seja,
descentralização). Ao final de um ano, os resultados
seriam comparados. Findo esse período de tempo,
resultou que, no primeiro grupo, as classes reunidas
haviam decrescido numericamente, até atingir o tamanho
aproximado de uma das classes originais; e, no segundo,
as classes haviam crescido até atingir o tamanho que
tinham, antes da separação. A tese defendida pelo sociólogo
confirmou-se: se uma igreja multiplica seu número de
congregações de um modo sistemático e planejado, dando
condições e liberdade para que as mesmas se
desenvolvam, com segurança essa igreja crescerá mais
rapidamente. O autor manifesta seu parecer
conclusivo, após a realização de outras experiências
em sua própria igreja, nos Estados Unidos:
Em essência, a descentralização
do governo eclesiástico, além de estar em acordo com o
modelo bíblico, está respaldada por experimentos científicos,
podendo gerar resultados extremamente satisfatórios. É difícil fazer uma análise da
forma de governo da Assembléia de Deus (AD), por duas
razões bem distintas. Primeira, porque mesmo
entendo que, na prática, inexistem formas "puras"
de governo, o modelo assembleiano não se molda aos
paradigmas observados ao longo da história e destacados
na literatura. Segunda, porque não é fácil
manter total isenção ao analisar-se a maior denominação
evangélica do País, indiscutivelmente responsável por
fortes influências no ambiente religioso (no íntimo das
pessoas sempre houve sentimentos gratuitos de admiração
ou aversão pelos "impérios" constituídos ao
longo da história). Mesmo assim, é válido tentar
compreender o "modelo assembleiano",
inicialmente comparando-o, mesmo que superficialmente,
com as formas tradicionais de governo eclesiástico: 1) O modelo episcopal ou prelático
caracteriza-se pela centralização do poder em mãos do
clero mais elevado (os prelados). Apesar de alguns líderes
assembleianos assumirem postura de "bispos" e
suas "igrejas sede" se assemelharem a "dioceses",
o modelo assembleiano dista bastante da rigidez hierárquica
dos católicos romanos ou dos anglicanos (exemplos mais
destacados desse gênero); como também não adota a
formalidade litúrgica do poder episcopal. 2) O governo presbiteriano tem
como característica predominante as tomadas de decisão
nos concílios, sínodos e presbitérios, fóruns nos
quais se assentam a elite da igreja (daí, esse modelo
também ser denominado de oligárquico). Isto não
ocorre na forma de gestão das AD's. Apesar dos presbíteros
assembleianos gozarem de honra e estima, a decisão final
só lhes cabe quando no exercício da função pastoral (mesmo
assim, na maioria das AD's, os presbíteros atuam sob a
supervisão de um pastor). Por outro lado, se algumas
'oligarquias' têm sido identificadas no meio
assembleiano, é fácil constatar que não foram
legalmente constituídas; mas sim compostas pela via da
informalidade e do interesse de grupos. 3) O forma de governo congregacional
fundamenta-se no princípio das decisões emanadas da
maioria dos membros. Cada igreja, individualmente,
administra seus próprios negócios (razão pela qual
também recebe o nome de independente). Esse foi o
modelo orientado pela igreja sueca para implantação na
AD brasileira. Porém, os pioneiros fugiram desse modelo,
o que gerou conflitos internos e externos que só foram
minimizados quando da primeira Convenção Geral,
realizada na Cidade do Natal, em 1930 ( ocasião na qual
as igrejas do Norte e do Nordeste foram entregues aos
obreiros nacionais). Mas, afinal, qual é a forma de
governo da AD? Em sua tese de Doutorado em
Sociologia "Protestantes e Política no Brasil",
Paul Freston apresenta uma visão histórico-sociológica
do pentecostalismo brasileiro e, particularmente, da
Assembléia de Deus. Nesse trabalho (publicado no livro
"Nem Anjos nem Demônios: interpretações sociológicas
do pentecostalismo" ), o pesquisador agrega
informações e publica suas conclusões sobre o "modelo
de governo assembleiano". Afirma esse Autor:
Na defesa de sua tese, Freston
recorre ao pensamento de Judith Hoffnagel (autora de uma
tese de doutoramento na Indiana University/EUA,
intitulada: "The Believers: Pentecostalism in a
Brazilian City") segundo a qual "embora
aconselhado pelo ministério, o pastor-presidente
permanece a fonte última de autoridade em tudo... assim
como o patrão da sociedade tradicional que, mesmo
cercado de conselheiros, maneja sozinho o poder." Em síntese, para Freston, na visão
estratégica do governo 'oligárquico e caudilhesco'
assembleiano, "esse sistema de feudos é uma
forma de manter o crescimento da igreja como um todo sem
tocar na estrutura do poder." O estudo trata, também, acerca da
Convenção Geral das AD no Brasil (CGADB), observando
que, apesar de ser considerada "órgão máximo da
denominação", não tem poder legal sobre as Convenções
Estaduais, não recebe subvenções das mesmas e não tem
poderes para designar ou substituir os pastores em suas
filiadas. Ressalta que as Convenções e
Ministérios, na realidade, estão sob o poder dos "pastores-presidentes"
(líderes das "igrejas-mãe") responsáveis por
dezenas ou centenas de igrejas e suas respectivas
congregações. Na visão de Freston (p. 87), isso
representa a aproximação sectária ao extra "ecclesiam
nulla salus": o modelo assemelha-se ao católico
romano, no qual os que rompem com o mesmo são
considerados rebeldes e excluídos. Conclui ainda que, historicamente,
esse modelo tem gerado insatisfações e acusações próprias
dos regimes caudilhistas e gerontocráticos, redundando
em cismas e divisões. E que, apesar dos crescentes
sinais de enfraquecimento do modelo, a renovação parece
lenta demais e a AD se distancia da moderna gerência
praticada na sociedade urbana, o que a coloca cada dia
mais próximo de um colapso administrativo, em meio a uma
fase internamente conturbada. José Gilson de Oliveira é o pastor presidente da Assembléia de Deus - Ministério da Plenitude, em Natal/RN; é mestre em teologia; na vida secular é professor e engenheiro civil, pós graduado em engenharia sanitária e em administração (http://www.gilson.pro.br) |