Crianças: brincando de violência |
Artigo publicado em parceria com o |
INTRODUÇÃO Nos últimos
meses os jornais e a televisão do mundo inteiro têm
chamado a atenção dos seus espectadores através do
noticiamento de algumas tragédias, massacres e crimes bárbaros.
Nada de novo, a não ser o fato de que em boa parte
desses episódios os maiores protagonistas são crianças
ou adolescentes, que executam crimes com requintes de
crueldade. Desde o estripamento de um vendedor de seguros
de meia idade por um casal de adolescentes nova-iorquinos,
no coração do Central Park; passando pelo incêndio do
índio Gaudino em Brasília; chegando até o recente
massacre de crianças por seus colegas de escola,
novamente nos EUA, não é pequena a lista de barbáries
cometidas por crianças e adolescentes, em nossos dias. 1 -
A VIOLÊNCIA FANTÁSTICA 2 -
A BRINCADEIRA É COISA SÉRIA A aprendizagem de atos e comportamento violento. Conforme o que tem estudado a Psicologia do Comportamento, uma das formas mais eficientes de ensinar e aprender comportamentos chama-se "modelagem". A modelagem consiste basicamente na imitação de um personagem tido como modelo quando este apresenta um comportamento bem sucedido. Quando observamos o mundo ao nosso redor percebemos quais comportamentos são bem sucedidos e temos a tendência de imitá-los. As experiências têm demonstrado que a modelagem é igualmente eficiente mesmo quando mediada por uma tela de TV ou computador. O poder da modelagem é ainda maior quanto maior for a identificação entre o modelo e a pessoa que observa. Nesse sentido a televisão e principalmente os jogos de video-game e computador são uma verdadeira escola de violência. A forma preferida e mais eficaz para a solução de problemas de praticamente todos os "heróis" da televisão e dos "games" é a violência. E o nível de identificação entre o público e esses modelos chega a ser hipnótico. A "dessensibilização" Outra conseqüência nefasta da convivência com esse "mundo fantástico da violência" é a perda da sensibilidade em relação à dor, ao sofrimento e à violência no mundo real. Não há mais cena horrenda ou abominação que assuste as nossas crianças! Tem-se a impressão de que os nossos adolescentes estão ensaiando para viver no inferno! Não só as crianças e os adolescentes mas os próprios adultos de hoje passaram e têm passado pelo processo de dessensibilização. Ao invés do choque e da indignação, as cenas da violência do cotidiano hodierno despertam a curiosidade e o interesse mórbido das pessoas. Quando não lhes desperta prazer e aventura: como quando os adolescentes vibram nas ruas com uma batida, um atropelamento, ou pedem freneticamente para um suicida atirar-se de um edifício. Essa é uma realidade que contraria frontalmente o princípio cristão da com-paixão (sentir a mesma dor). Se a infância do bom samaritano fosse semelhante à de uma criança dos nossos dias, provavelmente ele teria curiosamente observado a morte do "próximo", ou quem sabe saído em perseguição aos ladrões. A "cultura do medo" Ao mesmo tempo em que crianças e adultos expostos à violência fantástica perdem a sensibilidade quanto à dor e ao sofrimento alheio, vivem num estado de permanente tensão e medo de serem vitimados, e numa constante postura defensiva que chega a ser perigosa para os que estão próximos. É enorme e crescente o número de vítimas de acidentes com armas de fogo, por exemplo. E mesmo assim a sociedade e os congressos brasileiro, norte-americano e de outros países relutam em limitar e restringir a produção e o consumo dessas armas porque o cinema e as industrias bélicas conseguem convencer a população de que necessita delas, pois servirão para a sua proteção. Da mesma forma, enquanto milhões de pessoas morrem de fome e doenças simples no mundo inteiro, milhões de dólares são desperdiçados com armas e pesquisas bélicas porque as pessoas acreditam que carecem de defesa, umas das outras. Ao invés de "preparar as crianças para o mundo real", como advogam alguns, a convivência com imagens, jogos e brinquedos violentos as torna emocionalmente vulneráveis, inseguras e dependentes, conforme demonstram as pesquisas, levando-as, quando adultas, a recorrer a objetos ou símbolos externos - como armas - para se afirmar. Gustavo Gilson Sousa de Oliveira é psicólogo, pela UFRN, mestre em sociologia, pela UFPE; e pesquisador sobre violência urbana. É ministro da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Recife/ PE. |